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  • Writer's pictureIsabel Valente

Ditadura da Felicidade... e as crianças?

Num mundo onde tudo e todos parecem felizes a toda a hora e momento, importa perceber como nos posicionamos enquanto pais, pessoas e educadores face a esta enorme pressão diária de sermos positivos, compreensivos, pacientes e estarmos sempre, mas sempre... sorridentes e satisfeitos com o que a vida nos dá!


Perdoem-me a franqueza, mas sinceramente não dá!!



Compreendo que isto não pareça bem e que corro até o sério risco de ficar conhecida como a "triste rezingona" cá do sítio. Contudo, preocupa-me esta falta de espaço que as emoções apelidadas de "negativas" têm por estes dias na vida de cada um de nós e, sobretudo, na vida dos mais pequenos. Porque teimamos em esconder as nossas pequenas frustrações do dia-a-dia ou até alguma tristeza face a uma situação de insucesso?


Estaremos nós a preparar os nossos filhos para a vida real?


Não creio! O certo é que não existem emoções negativas. Todas elas são válidas, preciosas até na medida em que nos ajudam a aprender como encarar desafios vários e andar para a frente.


São elas que nos fazem refletir e mudar para melhor, corrigir e tomar decisões que nos impactem de forma mais positiva e, sem elas, jamais poderemos desenvolver em nós, nos nossos filhos ou alunos a resistência ao stress, a capacidade de ajuste constante face a um propósito que mais não é do que a afamada resiliência.



A verdade é que as adversidades da vida nos ajudam a ser mais flexíveis, mais abertos a outras perspetivas e a relativizar, ensinando-nos a procurar o nosso propósito e objetivo de vida quando mais nada parece fazer sentido.


É por isso essencial que ensinemos as nossas crianças a enfrentar o insucesso e a frustração sem dramas ou lamentos exagerados, dando-lhes espaço para que fiquem tristes ou até zangados face a uma qualquer frustração, mas orientando-os para que, aceitando essa situação, se predisponham a fazer o necessário para a ultrapassarem.


Há tempos atrás, um dos nossos filhos, habituado a excelentes notas, reagiu muito mal a uma nota negativa... chorou, lamentou-se e colocou-se até em causa. Face a todo este contexto, optamos por apenas o ouvir e compreender a sua mágoa.


Em seguida, combinamos que após um determinado tempo de "luto", teria de "arregaçar as mangas" e voltar atrás, reler matérias, compreender o que parecia obscuro (com ou sem a nossa ajuda) e praticar muito. Chocado, parou de chorar e abraçou-nos apenas num silêncio de quem se sente compreendido acima de tudo.


Na semana seguinte, voltou atrás, releu a matéria, pediu ajuda, escreveu e praticou bastante, colocou dúvidas ao professor e, após alguns dias anunciou que se sentia uma pouco mais seguro. Pedimos que nos explicasse qual havia sido o problema e como o tinha ultrapassado. Um pouco hesitante foi explicando que, se antes pensava que algo se resolvia de determinado forma, agora sabia que essa era de facto uma forma errada de o fazer e que deveria antes fazê-lo de outra forma. Usou exemplos, rabiscou, voltou atrás, mas no fim exclamou: "É assim que se faz isto! Finalmente percebi!"


Mais do que satisfeitos, ficamos surpreendido pelo seu percurso, reflexão e até, maturidade. Confessamo-nos surpreendidos e muito orgulhosos pelos seu trabalho e esforço!! E mesmo quando nos disse, receoso: "Não sei se dá para manter o nível 5!", exclamamos que nem tudo se mede pelas classificações atingidas no final do período e que, independentemente de tudo o resto, sabíamos quanto se havia esforçado.


Sem surpresa o nível atingido não foi o 5, mas o nível 4 atingido teve, sem dúvida, um sabor muito especial!!


Nesse dia, explicamos-lhe o que era a Resiliência e porque esta era mais importante do que os resultados académicos. Prontamente nos respondeu:


"Por isso é que não ficaram tão aflitos quando me viram a chorar?"

Esta situação fez-nos pensar que, ainda que inconscientemente, lhe havíamos passado a ideia que a tristeza, a raiva ou o medo eram emoções negativas e das quais devíamos fugir sempre, sendo preferível fingir que tudo está bem, mesmo quando realmente não está!


Nas semanas seguintes, fizemos questão de explicar aos nossos filhos que essas emoções - a raiva, a tristeza, o medo - são tão válidas e preciosas quanto a alegria ou a excitação, pois estas fazem-nos mudar e ajustar-nos às diferentes situações que a vida nos apresenta sem jamais nos colocarmos em casa. Passado algum tempo, apercebemo-nos que o nosso filho mais novo, em conversa com amigos no recreio da escola os havia convencido que o medo, a tristeza e a raiva podiam ser os nossos melhores amigos, pois nos ajudavam a crescer , porque, segundo ele, eles nos faziam trabalhar mais e melhor!


Chocados com tal raciocínio, compreendemos que o otimismo e o poder de relativizarmos as adversidades tinha sem dúvida criado uma nova perspetiva na mente dos nossos filhos!


Estarão eles melhor preparados para enfrentar e superar os desafios do dia-a-dia sem se colocarem em causa? Acreditamos que sim e, certamente, de forma menos dramática e mais flexível!


Por isso, sejam mais genuínos convosco próprios e com os vossos filhos!

Garanto que tal não vos tornará mais infelizes, mas transformará certamentea relação que têm convosco próprios e com os vossos filhos!!


Abraço!!

Isabel Valente





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